Rumo Leste – Nostalgicamente jovens!

CIDADE IMPOSSÍVEL – tudo e nada é impossível!

Declaro para os devidos fins – em tom confessional, mas nem tanto sussurrante – que sou movida por paixões! Pela vida e suas probabilidades, pela literatura, pela poesia em especial, pela minha Ipatinga – vejam que presunção: Minha! – Afinal, não sou daqui, mas há trinta anos a adotei como minha cidade natal por amor/opção e na maior parte do tempo, nem me lembro que tive infância e adolescência em outras paragens tão verdes e amadas como estas. (– Contraditório este dizer do verde referindo-me a um Vale chamado do Aço, mas acreditem, é real!)
Às vezes, só me lembro das origens quando me deixo levar pela inspiração dos guardados da memória e da época especial, entre seis e doze anos de idade, em que eu, irmãos e primos ansiávamos pelas férias na fazenda dos avós paternos, com direito a demorada observação da água fazendo girar a grande roda do engenho de cana-de-açúcar e depois a “bala de puxa”, direto do tacho de rapadura. (– Assim que bolhas brancas apareciam lá estávamos, com os pratos folhados à mão, esperando a doce porção que o avô, cuidadosamente, colocava sobre a água, junto ao pedido de cuidado para que não nos queimássemos.)
A poesia desses guardados eu as retiro da orquestra de grilos e do coaxar de sapos nas barras do cair das noites, da musicalidade da pequena cachoeira, entre o dançar dos bambuzais e sob o embalo do vento, da claridade da lua e da infinidade de estrelas que a escuridão do vale permitia que se enxergasse – até hoje eu adoro “descobrir” o Cruzeiro do Sul e as Três Marias de lá da minha infância. Principalmente, porque promoviam intermináveis viagens noite adentro, deixando que eu construísse minhas próprias histórias a partir das fábulas que ouvia, ora interrompidas pelo chiar do velho rádio, única diversão à época nas fazendas, especialmente, na minha Águas Claras. 

Águas Claras

aí onde nasci,
o tempo parou
há muito!
não é o mesmo lugar,
mas permanece assim…
impregnado de alma. 

tranquilidade
é palavra estranha. 

não se ouve um ruído
além do canto
de pássaro,
do vento…
do próprio silêncio.

nem a respiração
ousa tornar-se ofegante
para não quebrar
o encantamento
do lugar,
que me chega e dói
de tanto
que enfeita a vida!

Mesclando outros olhares, sem deixar só o lirismo falar e continuando a divagar sobre outras paixões, declaro-me nostalgicamente apaixonada por Ipatinga, além é claro, de registrar que quando a paixão entra veia adentro é difícil encará-la apenas como uma química do corpo. É questão de pele e de alma mesmo! Talvez porque o outono em breve parta, eu tenha escrito este texto demasiadamente nostálgico. Mas, diante da necessidade do silêncio e da entrega ao priorizar o ato da escrita, eu o fiz, não como desabafo e sim, como forma de dizer de tudo, do tempo, das horas sem necessariamente, deixar de dizer da minha, também paixão, pelo quê do impossível, além de uma boa prosa poética. 

Nostalgicamente Jovens

Era apenas uma data:
zero quatro zero um
um nove oito zero.
Era apenas uma jovem
em uma jovem cidade

transportando n’alma
e na breve bagagem
apenas sonhos e poesia.

– nem tão expostos à mão –

E, às margens dos dias,
das tardes e noites,
e de um silêncio inviolável,
apenas uma paisagem
rósea-cinza-azul-intensa
saída das chaminés:
jovem fonte de sonhos. 

Eram apenas jovens:
– nostalgicamente jovens –
uma púbere alma poeta
e o desembarque
na jovem Ipatinga,
há trinta e poucos anos!

* adaptado para o Sarau Cidade Impossível, promovido por Carla Paoliello – Projeto Banca de Cultura

Marilia Siqueira Lacerda
Poeta e escritora Ipatinga-MG – 10 de maio de 2011