9º Prêmio Nacional de Poesia – Cidade Ipatinga

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Menção Honrosa – Memórias
Flavio Rubens Machado – Cabo Frio-RJ

fragmentos 1

… os músculos flácidos da moral castradora
em um abraço estrangulam o teu sorriso

o coração
pulsa
sangra
imagens
variações de luz esquartejada

o caminho pavimentado pelas folhas de oiti
o passeio noturno dos morcegos
as ruínas da casa grande
abrigo de fantasmas educados e poliglotas
confidentes de segredos
                         de pactos secretos

                                                               as frases patrióticas
                                                               encurralando-nos
                                                               a resistência em servir ao governo militar
                                                               a prisão sem motivo nos bondes escuros
                                             santa Tereza
                                                               a fuga pelas ruas do Estácio
a invasão do apartamento
                            morro cercado
                           encurralado

na periferia
casa invadida
a fotografia na mão da polícia
o verão das ideologias
a sombra dos tamarindus
piquetes de falsas impressões
deformações
a menina e suas transparências
o corpo
              movimentos marginais
as passeatas literárias
pelas praias antecipando o verão
dos poemas pornográficos
seria atentado ao poder?

          a ilusão de ser parte
         quando não havia espaço para
                                                                     não há vagas para poetas do subúrbio
                                                                     não há esperança para quem atravessa o

túnel
            não há vagas
            não há vagas…

Fragmentos 2

ao rés do chão o poema

berra palavras de ordem
armadilhas
guerrilhas

a arte não será eterna
ruirá ao som das primeiras trombetas
rasgar-se-ão tratados científicos

a inutilidade dos discursos
e dos balcões de negócios
mercado de supérfluos
onde gente vale menos do que commodities

a arte não será eterna
exercício de egos inflados
precipitará no abismo de si mesma
inócua
descartável

o lampião baila assustado
sob o efeito dos ventos de outono
de repente não tenho vontade do mar lembrar
e caso houvesse vontade tão distante estaria que impossível seria

resta-me abrir os arquivos vivos
deitar sobre a cama desfeita da memória
contar até um milhão
acalmar o coração com orações de ocasião

imagino o teu rosto
procuro um poema
para não deixar que te apagues da memória

ainda que o amor não sobreviva
e nada mais escorra pelas paredes
além da tua ausência

ligar o rádio em uma estação deserta
acordar banhado em suor
entender que nada dessa noite ficou
além da tentativa frustrada de reacender o que nunca se iluminou.

novo rio

distraída a senhora brinca com o neto
os pombos disputam restos nas pedras portuguesas

o murmúrio abafado de vozes e motores
partidas e chegadas
mortes e nascimentos
crimes e castigos

um abraço entre amigos
beijo de mãe e filho
crianças dormindo
gente trabalhando
gente a caminho de casa

a imperfeição dos homens
alimentando as desgraças do dia
notícias que mancharão os jornais

à noite na rodoviária
quase não se percebe a simultaneidade dos pequenos acontecimentos

crônica da manhã

o cheiro de esterco invade a ogiva
agradável e revelador

procuro ser sincero
sobre a verdade da minha biografia

respiro esse ar quase dominante
de manter distancia entre vida e arte

misturo tudo em um grande liquidificador
de assuntos improváveis

os meus versos são tentativas ou mais do que tentativas
de encontrar fundamento para o enigma claro da vida

construo poemas como edifícios barrocos
projetados em pranchetas modernas

o absurdo é que adotei a poesia por achar mais fácil
menos gramático e compromissado com regras de linguagem

o erro estava em considerar fácil uma linguagem
claramente complexa exigindo síntese de emoções

contrariando toda a crença adquirida
sobre pressupostos fantasiosos

revejo os versos anteriores
e declaro que a sínese acorre na escrita

e que podemos estabelecer num verso curto
toda a carga histórico biográfica de um suburbano

reinvento todos os dias um desejo de eternidade
reconhecendo que não há nenhuma certeza desse fato

escrevo e repito palavras sem me dar conta do exagero
e da falta total de controle sobre o que será dito adiante

insisto na inspiração sem graça do teclado frio
aguardando que algum encantamento sobreviva ao ponto final

memória

as lembranças
atravessam o largo da carioca
sentam na leiteria da rua da ajuda com rosas amarelas nas mãos
procurando um poema de Oswald

embaralham varetas coloridas simulando as linhas de ônibus
param em cada esquina das bancas de jornal conferindo as manchetes
pelos olhos curiosos do menino jornaleiro
aprendendo a ler nas desgraças cotidianas

tomam o bonde de Madureira até o sapê
cortam a casca dos oitis centenários com nomes de hipotéticas namoradas
rabiscam as paredes com as vitórias do América
jogam futebol de botão narrando jogos intermináveis
sem se preocupar com a estranheza de Sandra
com o solitário brinquedo

pulam a linha de trem em osvaldo cruz
passeiam na poeira do caminho das moças
roubam limão na oiticica
bicicleteiam de monark 70 pelo jardim de Olivença
bebem escondido a pinga de maracujá
comem escondido pingo de leite e chocolate

conhecem o governador negrão de lima inaugurando a escola
com a menina nervosa mijando na sala de aula
andam de carona no são Francisco x bento ribeiro
banham-se nas águas sem poluição da praia de ramos
combatem a ditadura militar nas passeatas estudantis

almoçam domingo com a família em campo grande
soltam barcos de papel na enxurrada das chuvas de verão
colocam bucha de balão quando não era proibido ou perigoso
acendem fogueira e assam batata doce
pulam os muros da joão ribeiro
perambulam pela estrada velha da pavuna
esperam a passagem da locomotiva do rio douro
pegam um atalho e se perdem pelas ruas sem saída da memória

Lista de premiados do 7° Prêmio Nacional de Poesia – Cidade Ipatinga
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