1º lugar – Memórias do Meu Mundo Cinza Salpicado de Cor
Simone Eberle – Ipatinga-MG
Esgoto-me
Vida de cidade.
Rude.
Desfigurada.
As casas e os prédios se empilham no asfalto.
O lixo, antes dejeto, torna-se paisagem.
Compõem o cenário muitas mazelas mais.
Para nós, nada mais é grotesco ou estranho.
O que é feio não nos ofende a vista.
O que é triste não nos altera o semblante.
Também nossa alma encheu-se de entulho.
E,
talvez,
ainda venham muitas e muitas eras
até que o sentimento desponte na superfície da pele.
Pixel
Florada de ipê.
Pingo de cor no cotidiano cinza das gentes.
Gota de aquarela que a vista registra,
mas não pode gozar.
Nos cubículos,
à espera,
há sempre mais (e mais) papéis para empilhar.
Miudezas
Hoje o vento deu-me de presente um ninho.
Naquele fresco e silencioso pós-chuva,
um ninho no chão.
Um ninho para os olhos do mínimo.
Por que para mim essa gentileza?
Disponível,
disposta na água do chão?
A brisa passa e se cala.
Melhor é que o delicado no delicado se reconheça.
Pressinto que a chuva,
– essa inconstante –
retirou-se apenas por um pouco,
talvez o suficiente para possibilitar esse encontro.
Árvore-espectro
Pau-ferro, pau-ferro, ferro-pau.
Será teu desejo converter-te em concreto,
vestindo o tronco cinza?
Ou será teu disfarce um encolhido mudo,
um desenxabido jeito de ser e não ser?
Pau-ferro, pau-ferro, ferro-pau.
Sei não,
mas há algo em ti entre modéstia e astúcia.
A que serve teu mimético esforço,
senão a fazer-te miúdo em meio ao indiferente ritmo urbano?
Pau-ferro, pau-ferro, ferro-pau.
Desejas nada ser, mas te noto.
Com facilidade, reconheço tua artimanha estática.
Eu, que como tu, queria ser invisível ao bruto cotidiano.
Pau-ferro, pau-ferro, ferro-pau.
Por fora, cimento.
Dentro,
o resistente,
mas alquebrado, peito de pau.
Do reencontro após hibernação
Minha poesia ficou guardada na gaveta,
esperando o tempo que a falta de tempo não dava.
Ficou ali, enrolada,
fazendo-se uma entre tantas folhas quaisquer.
Mas aí,
a chuva gotejou um dia de alvo silêncio e de pequenos pássaros.
Curiosa,
a poesia abriu um olho,
depois outro.
Desvencilhou-se da lista de compras,
de agenda repleta de obrigações,
das notas pendentes jamais resolvidas.
Veio à janela.
Recobrou as cores da face
e ali se deixou ficar com gosto,
pois,
se há vida,
ela certamente estará além dessas margens.
Lista de premiados do 9° Prêmio Nacional de Poesia – Cidade Ipatinga
Lista de Premiados de 2011/2012