9º Prêmio Nacional de Poesia – Cidade Ipatinga

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1º lugar – Memórias do Meu Mundo Cinza Salpicado de Cor
Simone Eberle – Ipatinga-MG

Esgoto-me

Vida de cidade.
Rude.
Desfigurada.

As casas e os prédios se empilham no asfalto.
O lixo, antes dejeto, torna-se paisagem.
Compõem o cenário muitas mazelas mais.

Para nós, nada mais é grotesco ou estranho.
O que é feio não nos ofende a vista.
O que é triste não nos altera o semblante.
Também nossa alma encheu-se de entulho.

E,
talvez,
ainda venham muitas e muitas eras
até que o sentimento desponte na superfície da pele.

Pixel

Florada de ipê.
Pingo de cor no cotidiano cinza das gentes.

Gota de aquarela que a vista registra,
mas não pode gozar.

Nos cubículos,
à espera,
há sempre mais (e mais) papéis para empilhar.

Miudezas

Hoje o vento deu-me de presente um ninho.

Naquele fresco e silencioso pós-chuva,
um ninho no chão.

Um ninho para os olhos do mínimo.

Por que para mim essa gentileza?
Disponível,
disposta na água do chão?

A brisa passa e se cala.
Melhor é que o delicado no delicado se reconheça.

Pressinto que a chuva,
– essa inconstante –
retirou-se apenas por um pouco,
talvez o suficiente para possibilitar esse encontro.

Árvore-espectro

Pau-ferro, pau-ferro, ferro-pau.
Será teu desejo converter-te em concreto,
vestindo o tronco cinza?

Ou será teu disfarce um encolhido mudo,
um desenxabido jeito de ser e não ser?

Pau-ferro, pau-ferro, ferro-pau.
Sei não,
mas há algo em ti entre modéstia e astúcia.

A que serve teu mimético esforço,
senão a fazer-te miúdo em meio ao indiferente ritmo urbano?

 Pau-ferro, pau-ferro, ferro-pau.
Desejas nada ser, mas te noto.
Com facilidade, reconheço tua artimanha estática.
Eu, que como tu, queria ser invisível ao bruto cotidiano.

Pau-ferro, pau-ferro, ferro-pau.
Por fora, cimento.
Dentro,
o resistente,
mas alquebrado, peito de pau.

Do reencontro após hibernação

Minha poesia ficou guardada na gaveta,
esperando o tempo que a falta de tempo não dava.

Ficou ali, enrolada,
fazendo-se uma entre tantas folhas quaisquer.

Mas aí,
a chuva gotejou um dia de alvo silêncio e de pequenos pássaros.

Curiosa,
a poesia abriu  um olho,
depois outro.

Desvencilhou-se da lista de compras,
de agenda repleta de obrigações,
das notas pendentes jamais resolvidas.

Veio à janela.
Recobrou as cores da face
e ali se deixou ficar com gosto,
pois,
se há vida,
ela certamente estará além dessas margens.

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